quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A importância das Margens Plácidas
Anos 70. Eu era bem jovem, um adolescente, e lembro de ter lido uma matéria sobre as comemorações do 7 de Setembro, durante o governo de João Figueiredo. A cerimônia foi em São Paulo, ao longo das margens do Rio Ypiranga onde Dom Pedro, supostamente, deu o seu Grito de Independência.
A matéria dizia que o córrego estava seco e que, para que tivesse água durante a cerimônia, foram abertas válvulas de algumas redes de água, para que a água abençoasse a cerimônia do ditador. Me lembro de ter pensado “pô ... pelo menos poderiam ter preservado o córrego! Afinal, Ypiranga, é a terceira palavra do nosso hino! Deveria ter se tornado uma área de preservação ambiental.
Fast Forward, para janeiro de 2011. Entro no Google Earth, para visitar o córrego do Ypiranga. Espanto! Hoje, o bairro do Ypiranga, literalmente, esmaga o córrego do Ypiranga. O córrego surge de uma galeria pluvial, debaixo da Avenida Prof. Abraão de Morais. Na verdade, não é nem um córrego. O Ypiranga hoje é uma vala de concreto armado ladeada por asfalto, percorrendo 7 quilometros. A vala some e reaparece debaixo de cruzamentos de asfalto. E, quando a vala chega em frente ao Monumento da Independência, ela atravessa triunfantemente um parque cenográfico com gramado lisinho, com 172 metros e 13 centímetros de extensão, compondo brrrrrrrrrr (rufar de tambores)... as Margens Plácidas! Claro!
Minhas queridas brasileiras e meus queridos brasileiros. Sabemos que o Ypiranga não é nem um rio. Nem um córrego. É simplesmente mais um esgoto a céu aberto, tão comum na paisagem de nossas cidades. Conhecemos bem estas valas e já nos acostumamos com elas. Com o cheiro, com os plásticos esvoaçando feito algas presas a arames, com a bola de futebol presa num redemoinho, girando há dias no mesmo lugar, com o ocasional sofá e com a triste garça de penas sujas à o espreita do peixinho que nunca virá.
As imagens da Região Serrana, por mais trágicas que sejam, na verdade não são novidade. Todo ano assistimos a estas tragédias.... Hoje é Teresópolis. Ontem, Niterói. Anteontem, Angra, Paraitinga em Minas, Branquinha em Alagoas, etc., etc., etc.
O brasileiro vem tomando emprestado, da Mãe Natureza, há muito tempo. Agora, chegou a hora de pagar, e com juros altíssimos. Mas, assim como tivemos a capacidade de pagar nossa dívida externa ao FMI, teremos em breve a capacidade de pagar nossa dívida para com a natureza. E o Pré-Sal pode nos ajudar a fazer isso.
Está na hora de implementarmos um novo paradigma urbano. E não estou falando de sustentabilidade. A sustentabilidade não vai mais nos salvar. É hora de pensar em REVERSIBILIDADE. A reversibilidade é a verdadeira reforma ambiental urbana.
Organizações ambientais na Holanda (um dos países mais progressistas do mundo, se não o mais progressista) e o Estado do Maine (um dos estados mais progressistas dos Estados Unidos) estão começando a implementar a política de comprar de volta terra pertencente a madeireiras, empresas e indivíduos e devolvendo esta terra à natureza. No Maine, a milionária americana Roxanne Quimby comprou, por conta própria, 40 mil hectares de terras depredadas por madeireiras e, em 2016, doará estas terras ao Serviço de Parques Nacionais. Na Holanda, a Natuurmonumenten já adquiriu 100 mil hectares de terra para preservação ambiental, apenas com doações da população.
Chegou a hora de começarmos a devolver à natureza partes INTEIRAS de nossas cidades. Reversibilidade terá que envolver comprar terras de volta, multiplicar por 10 o número de APAs (Áreas de Preservação Ambiental) dentro do perímetro urbano. Nossas cidades são feias, caóticas, cada vez mais concretas, engolindo qualquer sistema natural hidrográfico. As consequências aí estão. Em poucos segundos, qualquer chuva se torna um tsunami mortífero. Esta semana, em São Paulo, um rapaz desce de um ônibus durante uma chuva na Avenida 9 de Julho e, em poucos segundos, é arrastado para baixo de um carro e morre afogado. No que diz respeito às nossas cidades, temos que pensar em marcha-à-ré: Desapropriar, Indenizar, Plantar, Restaurar. Nas nossas cidades não cabe o modelo da sustentabilidade. Só o da reversibilidade.
No Estado do Rio, a reversibildade tem que ser implementada em cada encosta, ao longo de cada córrego, de cada rio margeado por habitações irregulares. Será um processo de anos, talvez décadas.
Já na cidade de São Paulo, o primeiro projeto de reversibilidade poderia ser o de devolver as margens plácidas em TODA a extensão dos 7 km do Rio Ypiranga e não apenas, como agora, nos míseros, patéticos e ofensivos 172 metros e 13 centímetros entre a Avenida Nazaré e a Rua Leais Paulistanos.
Ou isso, ou mudamos nosso hino e continuamos desenterrando nossos irmãos da lama.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Enquanto isso, multiplicam-se projetos de redução de perímetro dos parques nacionais. Destomba-se o encontro do rio Negro com o Solimões. Incentiva-se a construção infinita de hidrelétricas, junto com a mentira de que são fontes de energia limpas. O Novo Código Florestal acaba que é só o resultado previsível de como nós ainda somos completamente cegos.
Postar um comentário